A importância do Método Histórico- Gramatical na Hermenêutica Pentecostal – Teologia Pentecostal

A importância do Método Histórico- Gramatical na Hermenêutica Pentecostal – Teologia Pentecostal

Por Gutierres Fernandes Siqueira

Texto também publicado na plataforma Medium. Acesse neste link.

Hoje existe um debate intenso (e algumas vezes redundante e irritante) sobre quais são os métodos de interpretação mais adequados para a tradição pentecostal. O debate gira em torno da validade dos métodos históricos, especialmente o Histórico-Gramatical e Histórico-Crítico. Os métodos históricos, como o próprio nome já diz, estão interessados na história passada e no sentido literal do texto – não confunda com “sentido literalista”. O foco desses métodos é entrar no mundo do autor e de sua primeira audiência. Na academia pentecostal, especialmente norte-americana, muitas vozes surgiram nas últimas duas décadas atacando esses métodos como insuficientes, historicistas e racionalistas. Entre os críticos se destacam os teólogos Timothy Cargal e Kenneth Archer.

Em primeiro lugar, é verdade que o Movimento Pentecostal não nasceu abraçado aos métodos históricos (1). A leitura dos primeiros pentecostais era indutiva e dedutiva, sem muito foco em contextos, exegese ou na leitura tradicional da Igreja – raramente a primeira geração de pentecostais citava a Patrística. Outro ponto é que a leitura alegórica, tipológica e “espiritual” mandava e desmandava nas pregações cheias de fervor evangelístico. De certo modo, isso aconteceu porque a maior parte dos líderes da primeira geração pentecostal tinha baixa formação teológica – com as exceções de praxe – ou vinha de um contexto pietista restrito – que negava a importância dos estudos formais em universidades – ainda que não rejeitasse o conhecimento em si.

É possível afirmar que até hoje boa parte dos pentecostais leem a Bíblia do mesmo modo dos pioneiros. Em alguns círculos do nosso meio o Método Histórico-Gramatical ainda nem chegou. Exemplo disso são os sermões em igrejas como a Congregação Cristã no Brasil (CCB) e a Igreja Cristã Maranata. Outro exemplo são as obras escatológicas de um passado não tão distante. Vários livros na temática “últimas coisas” escritos pelos teólogos pentecostais brasileiros na década de 1970 e 1980 usavam e abusam de analogias e tipologias com interpretações bem criativas – o que menos havia nessas interpretações de Daniel e do Apocalipse era análise histórica e gramatical.

Por outro lado, especialmente nos Estados Unidos, muitos pentecostais adentraram na academia evangélica a partir da década de 1940 e passaram a adotar o Método Histórico-Gramatical e, alguns, a partir da década de 1970, passaram a trabalhar com alguns elementos do método Histórico-Crítico, destacando-se a Crítica da Redação. Essa trajetória se repetiu parcialmente no Brasil – e com algum atraso. Os pentecostais mais educados teologicamente passaram a usar o Método Histórico-Gramatical. Curiosamente, mas diferente dos pares norte-americanos, os teólogos pentecostais brasileiros sempre resistiram ao Método Histórico-Crítico – e não fizeram uso dele nem mesmo em doses moderadas.

O grande risco

Como vimos no início deste texto, a adoção do Método Histórico-Gramatical acontece apenas a partir da segunda geração pentecostal no contexto norte-americano. Mas a questão que nasce – provocada pelos críticos dos métodos históricos – é se esse método nos trouxe algum prejuízo teológico. A resposta é um sonoro não. Julgo exagerado qualquer afirmação que tenta fazer do método Histórico-Gramatical um entrave ao pentecostalismo. Não estou com isso afirmando a “perfeição” do Método Histórico-Gramatical ou mesmo insinuando que essa seja sempre a melhor metodologia de leitura.

O grande risco dos métodos históricos é tornar a hermenêutica um exercício meramente de museologia. A preocupação excessiva com o passado pode, de fato, atrapalhar o foco na interpretação para o presente. A exegese não deve se limitar a entender a história, mas deve, acima de tudo, comunicar o coração do leitor contemporâneo.

Mas por que o método histórico é importante?

Quando pensamos no livro paradigmático da teologia pentecostal – Atos dos Apóstolos – devemos lembrar que o seu próprio autor indica propósito de informação histórica (At 1.1-5; cf. Lc 1.1-4). Lucas, embora teólogo, também escreveu na posição de historiador. Caso o intérprete use apenas métodos hermenêuticos mais recentes como a Crítica Literária (foco no texto) e Métodos Pós-Críticos (foco no leitor), certamente estará dizendo a Lucas que o seu esforço histórico foi, no mínimo, pouco útil e, talvez, totalmente desnecessário. Certamente que os autores do Novo Testamento não relataram fatos históricos como meros enfeites para o texto.
Outro ponto para destacar a importância da história na hermenêutica pentecostal é sua a tendência restauracionista. Os restauracionistas só querem restaurar o que já existiu concretamente no passado, em especial a vida da Igreja Primitiva.

Mas se preocupar com explicações históricas não é historicismo? Antes, cito uma definição precisa de historicismo feita pelo teólogo anglicano Anthony Thiselton: “O historicismo é geralmente definido como a visão de que qualquer evento, pessoa, cultura ou situação podem ser explicados e entendidos apenas em termos de causa e efeito históricos” (2). Há um abismo enorme entre entender a importância da história e abraçar o historicismo iluminista, assim como alguém pode destacar a relevância da tradição sem ser tradicionalista. A insistência dos conservadores na afirmação e reafirmação dos eventos históricos relacionados ao drama da salvação (nascimento virginal ou ressureição de Cristo, por exemplo) não deve ser confundida com a ideologia de que a chave para qualquer realidade está em sua origem histórica – como afirmavam os historicistas.

Essa ênfase na construção de sentido apenas através do leitor ou da comunidade de leitores – sem se preocupar com qualquer aspecto histórico do texto, parece uma forma estranha de docetismo. O docetismo era uma antiga doutrina com raízes gnósticas que afirmava que Jesus não teve corpo físico humano, mas só a aparência dele. Segundo os docetistas, Jesus não podia concretamente vivenciar este mundo e qualquer experiência com o mundo seria apenas “espiritual”. Mas o próprio fato da Palavra se tornar carne na “plenitude dos tempos” (Gl 4.4) nos mostra que a história concreta não deve ser menosprezada.

A fim de rejeitar tanto o historicismo quanto o racionalismo do liberalismo teológico e das correntes fundamentalistas, não devemos abraçar o extremo oposto do subjetivismo. O teólogo italiano Nicola Ciola escreve:

Do historicismo positivista da teologia liberal passa-se assim ao subjetivismo da fé, tão estéril quanto o primeiro. O crente e a comunidade se explicam por si mesmos, e o diálogo da revelação se exaure no monólogo auto-interpretativo do homem. A diferença é que aqui, mais marcadamente do que na teologia liberal, o dado de fé representa a variável de uma opção antropocêntrica que se quer autojustificar(3).

Uma hermenêutica que dependa apenas da comunidade interpretativa apresenta um caminho fácil para subjugar a Bíblia aos caprichos de determinado grupo. As hermenêuticas focadas na construção de sentido do leitor devem ser exploradas, mas especialmente para entender como a nossa subjetividade está presente na interpretação- e não para romantizá-la como o modo “correto” de ler as Escrituras. A hermenêutica da Crítica à Resposta do Leitor pode ser usada mais como exame do que como remédio.

Mas a leitura Pós-Crítica é sempre ruim?

Os teólogos conservadores, especialmente no Brasil, tendem a rejeitar qualquer contribuição da Nova Hermenêutica. Para eles tudo isso é eco da voz da serpente e nos lavará para o subjetivismo intelectual e moral dos mais grosseiros. Eu, também como conservador que sou, creio que uma rejeição completa à Crítica da Resposta do Leitor é igualmente exagerada. Mesmo os pós-modernos mais radicais podem nos ajudar em alguma coisa. Essa também é a opinião dos teólogos Moisés Silva e Walter Kayser, ambos bem conservadores e de tradição reformada, que escreveram :

Quer nós gostemos ou não, os leitores podem criar sentidos – e com frequência o fazem – para um texto que leem. Assim sendo, há várias opções à nossa disposição (além de ignorar a realidade!). Em um extremo, podemos legitimar todas as respostas dos leitores, ou pelo menos aquelas que sejam apoiadas pela autoridade de alguma comunidade; é de se duvidar, entretanto, que a integridade do Cristianismo possa ser preservada dentro desse tipo de estrutura. No outro extremo, podemos tentar suprimir os preconceitos do leitor. Com efeito, esse tem sido o alvo da exegese histórica: a objetividade total por parte do intérprete a fim de evitar a injeção dentro do texto de qualquer significado além do histórico. Mas tal objetividade não existe. E se existisse, seria de pouca utilidade, pois estaríamos, então, envolvidos simplesmente numa árida repetição do texto que não leva em consideração nenhum valor duradouro. Paradoxalmente, muito do sucesso do criticismo bíblico moderno foi obtido à custa de uma perda da relevância bíblica (…) A minha própria posição tanto no campo literário quanto no teológico é de que o sentido da passagem bíblica não precisa ser identificado completamente com a intenção do autor. É uma questão bem diferente, entretanto, sugerir que o significado autoral é dispensável ou até mesmo secundário. Enquanto em certos casos a tarefa de identificar o que o autor bíblico queria dizer não é a única forma legítima de se proceder, essa tarefa é sempre legítima e deve, de fato, continuar a funcionar como nosso objetivo essencial. (4).

A ajuda do foco no leitor passa especialmente pelos estudos da linguagem, neurociência e psicologia. Abunda estudos nessas áreas apontando como a subjetividade nos conduz mesmo quando não estamos minimamente cientes disso. É um erro desprezar esses estudos porque se não encararmos a nossa subjetividade latente não saberemos que voz está de fato falando no texto.

Concluo dizendo que na hermenêutica devemos lidar com diversas correntes e métodos não na base do “ou um ou outro”, mas na base do “tanto um com como o outro”, ainda que se faça uma hierarquia de prioridades.

Referências Bibliográficas:

(1) Para uma abordagem histórica da hermenêutica pentecostal, veja o primeiro capítulo do livro: STRONSTAD, Roger. Spirit, Scripture, and Theology: A Pentecostal Perspective. 2 ed. Baguio City: Asian Pacific Theological Seminary Press, 2018. Também veja o capítulo dois do livro: SIQUEIRA, Gutierres Fernandes. O Espírito e a Palavra. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2019.
(2) THISELTON, Anthony. The Thiselton Companion to Christian Theology. 1 ed. Grand Rapids: Eerdmans, 2015. p 427.
(3) CIOLA, Nicola. Introdução à Cristologia. 1 ed. São Paulo: Edições Loyola, 1992. p 24.
(4) KAYSER, Walter e SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. 3 ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2014. p 235-237.

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