Cobiça | “Não cobiçarás”

Cobiça | “Não cobiçarás”

“Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo,
nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento,
nem coisa alguma que pertença ao teu próximo.” – Êxodo 20.17

 

Certa vez, ouvi um pastor dizer que somos o anúncio tardio do que temos pensado nos últimos trinta dias. Nunca me esqueci. Posso ver agora que suas palavras soaram verdadeiras porque eram uma paráfrase do décimo palavra.

Em uma lista de proibições claras, a décima palavra é inesperada. Para todos os outros nove mandamentos, nosso próximo poderia responsabilizar-nos simplesmente reunindo pessoas para dar testemunho de nossa conformidade ou da falta dela. Mas aqui, no final da lista, encontramos um pecado de natureza diferente. A criação de ídolos, a quebra do Shabat, a desonra da autoridade, o assassinato, o roubo, o adultério e a calúnia podem ser identificados por um espectador, mas não tanto a cobiça. A cobiça se esconde no coração.

As Dez Palavras progridem de “Não faça isso” para “Não diga isso” para “Nem pense nisso”.

Jesus traçou para nós uma conexão com o pecado subjacente do desprezo em seus ensinamentos no Sermão do Monte. E, aqui, a décima palavra reconhece a verdade de seu ensino, pois ninguém jamais esteve prestes a pecar contra Deus ou o próximo sem primeiro desejar algo fora dos limites. A cobiça e o desprezo caminham de mãos dadas, pois ninguém jamais procurou tirar de Deus ou do próximo sem primeiro desejar diminuí-los. A cobiça é uma ofensa pessoal.

Vimos isso na história de Adão e Eva, que cobiçam o que é somente de Deus. Vimos isso na história subsequente de Caim, que cobiça o que é de seu irmão. Em ambas as histórias, nenhuma testemunha humana poderia ser levantada para testemunhar os pecados do desejo que precederam os pecados da ação. Mas houve um que prestou testemunho. O Deus que vê dá testemunho de todo desejo pecaminoso. A décima palavra nos lembra da conclusão relativa àquilo que entendemos logo no início: não há outros deuses diante de Deus. É Deus quem dá testemunho de nossa obediência à décima palavra. Muito antes de nossos desejos cobiçosos tomarem a forma visível de palavras ou ações, Yahweh testemunha contra nós.

Se nos lembrássemos disso, confessando mais prontamente nossos pecados no momento do desejo, talvez as palavras de Tiago não fossem tão proféticas em nossas vidas: “Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte” (Tg 1.14-15).

O desejo é uma coisa viva, concebida no lugar secreto e buscando crescer até a maturidade. Nossas palavras e ações são o choro de nascimento de nossos desejos maduros. Esses desejos são o anúncio tardio daquilo sobre o que temos pensado ao longo da última semana, do último mês, da última década — um nascimento profano e horrível, gestado em nossos corações, a confissão de um curso tortuoso com o qual nos comprometemos há algum tempo. A décima palavra está nos alertando sobre a promiscuidade do pensamento e do coração como um útero fértil.

O gramático em mim não ama uma mistura de metáforas, mas, quando ela emerge do texto bíblico, eu mortifico o gramático em mim. O coração é o lugar no qual o pecado é gestado. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.

A décima palavra também é inesperada porque, assim como a ordem do Shabat e a ordem relativa ao furto, antecipa a riqueza antes que Israel a tenha. A descrição de casa, cônjuge, servos e animais pinta uma imagem de riqueza. Apenas um próximo rico teria tal inventário de símbolos de status dignos de cobiça. Uma nação de escravos recém-libertados tem pouco a cobiçar. Nos primeiros anos de sua liberdade, haveria pouca estratificação de riqueza ou de condição social. No entanto, Deus os prepara com antecedência para as complexidades sociais e emocionais que surgiriam à medida que a riqueza fosse aumentando entre os filhos de Deus. Assim como ele decretou descanso antes que alguém pudesse sentir-se tentado a lucrar com o trabalho constante do outro, Deus proíbe a cobiça antes que alguém tenha motivo para tê-la. Quão misericordioso é que Deus veja o fim desde o princípio! Ele grava bons limites para nós antes mesmo de sabermos que precisamos deles.

Pois certamente precisamos da décima palavra — hoje tanto quanto no passado. Afirmado de forma positiva, o mandamento “Não cobice” torna-se “Esteja satisfeito”. A cobiça fere a comunidade porque mantém a companhia próxima da mesquinhez. Quanto menos satisfeitos estamos com nossas próprias posses, relacionamentos ou circunstâncias, menos inclinados estaremos à generosidade que ajuda a comunidade a florescer. É o contentamento que vemos florescendo na igreja primitiva em Atos, onde tudo era compartilhado conforme a necessidade (At 2.42-47). Não compartilhamos com o próximo quando percebemos nossas próprias necessidades como primordiais. A cobiça sussurra que merecemos aquilo que foi dado ao nosso próximo. O contentamento afirma claramente que Deus deu o que é bom.

Uma vez que associamos contentamento à cobiça, podemos adotar medidas para combater nosso desejo ímpio em relação ao bem que outros receberam. Acontece que o contentamento não é algo que cai dos céus como o maná. E o caminho para o contentamento está aberto para nós se o procurarmos. Paulo nos dá as lentes para vê-lo, em uma das passagens mais conhecidas do Novo Testamento:

Alegro-me grandemente no Senhor, porque finalmente vocês renovaram o seu interesse por mim. De fato, vocês já se interessavam, mas não tinham oportunidade para demonstrá-lo. Não estou dizendo isso porque esteja necessitado, pois aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância. Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece. (Fp 4.10-13, NVI)

Se o contentamento tem sido uma batalha perdida para você, se cobiçar conforto, dinheiro ou companheiros tem sido seu estado comum, deixe a boa notícia penetrar: o contentamento é aprendido. Aprende-se segundo o padrão típico de santificação: pela experiência, pelo poder daquele que nos fortalece. Paulo nos assegura que isso pode ser feito, e feito além do mínimo. Ele diz que podemos aprender o contentamento em todas as coisas. Mas por onde começamos? Se decidirmos aprender o contentamento e desaprender a cobiça, devemos começar por nos tornar bons estudantes daquilo que alimenta nossos desejos.

Observe como a progressão de casa para pessoas, para símbolos de status e “qualquer coisa que pertença ao seu próximo” nos instrui em três áreas-chave da cobiça: coisas, relacionamentos, circunstâncias. Cobiçar o que outra pessoa tem é sempre a função de uma expectativa errada. Baseia-se na ideia de que merecemos o que os outros têm. Alimenta-se de comparação, aquele velho ladrão de alegrias, o que explica por que o cobiçoso leva uma triste existência de insatisfação e desprezo. Comparamos nossa própria situação à de outra pessoa e permitimos que nossas expectativas se moldem dessa maneira. A lacuna entre nossa expectativa e nossa realidade é onde o descontentamento e a cobiça prosperam. Enquanto nossas expectativas excederem nossa realidade atual, estaremos particularmente propensos a quebrar a décima palavra.

Não é errado ter expectativas para nossas coisas, nossos relacionamentos e nossas circunstâncias; é errado, contudo, ter expectativas irreais. Como a décima palavra indica, estamos profundamente preocupados em manter o mesmo padrão dos nossos vizinhos. Queremos ter uma cozinha como a deles, um casamento como o deles, férias e carros como os deles, filhos inteligentes e atléticos como os deles, arranjos de trabalho flexíveis como os deles. O que quer que eles tenham, nós gostaríamos de ter — apenas um pouco melhor, desde que façamos um ajuste em nosso orçamento.

Por que queremos isso? Ilustramos a sabedoria do provérbio francês: “O que nos deixa descontentes com nossa condição é a ideia absurdamente exagerada que temos da felicidade alheia”. Quando olhamos para nosso próximo e cobiçamos suas coisas, relacionamentos ou circunstâncias, cometemos o erro grave de supor que suas coisas, relacionamentos ou circunstâncias o tornaram mais feliz que nós. Na verdade, somos suficientemente tolos para pensar que, se tivéssemos o que o outro tem, seríamos felizes.

A Bíblia nos fornece uma longa história de advertência sobre a comparação com nosso próximo. Poderíamos intitulá-la “Mantendo o padrão dos cananeus”. Ela nos mostra que Israel como um todo logo esqueceu a décima palavra na pressa de se comparar com seus vizinhos. Em uma cena que se parece com um aluno do quinto ano pedindo o par de sapatos da moda, Israel pede a Deus que lhe dê um rei como as outras nações. Deus decide ensinar contentamento ao seu povo da maneira mais difícil: dando-lhes o que eles querem. O reinado desastroso de Saul é o resultado disso.

 

 

 

O artigo acima é um trecho adaptado com permissão do livro Dez Mandamentos para a vida, de Jen Wilkin, Editora Fiel


Fonte: https://voltemosaoevangelho.com/blog/2023/11/cobica-nao-cobicaras/

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