Arminianismo
O Arminianismo é um sistema teológico baseado nas idéias do pastor e teólogo reformado holandês Jacob Harmensz, mais conhecido pela forma latinizada de seu nome Jacobus Arminius. No inglês, é usualmente referenciado como James Arminius ou Jacob Arminius. Em português, seu nome seria Jacó Armínio.
Embora tenha sido discípulo do notável calvinista Teodoro de Beza, Armínio defendeu uma forma evangélica de sinergismo (crença que a salvação do homem depende da cooperação entre Deus e o homem), que é contrário ao monergismo, do qual faz parte o Calvinismo (crença de que a salvação é inteiramente determinada por Deus, sem nenhuma participação livre do homem). O sinergismo arminiano difere substancialmente de outras formas de sinergismo, tais como o Pelagianismo e o Semipelagianismo, como se demonstrará adiante. De modo análogo, também há variações entre as crenças monergistas, tais como o supra-lapsarianismo e o infra-lapsarianismo.
Armínio não foi primeiro e nem o último sinergista na história da Igreja. De fato, há dúvidas quanto ao fato de que ele tenha introduzido algo de novo na teologia cristã. Os próprios arminianos costumavam afirmar que os pais da Igreja grega dos primeiros séculos da era cristã e muitos dos teólogos católicos medievais eram sinergistas, tais como o reformador católico Erasmo de Roterdã. Até mesmo Philipp Melanchthon (1497-1560), companheiro de Lutero na reforma alemã, era sinergista, embora o próprio Lutero não fosse.
Armínio e seus seguidores divergiram do monergismo calvinista por entenderem que as crenças calvinistas na eleição incondicional (e especialmente na reprovação incondicional), na expiação limitada e na graça irresistível:
- seriam incompatíveis com o caráter de Deus, que é amoroso, compassivo, bom e deseja que todos se salvem.
- violariam o caráter pessoal da relação entre Deus e o homem.
- levariam à conseqüência lógica inevitável de que Deus fosse o autor do mal e do pecado.
Contexto Histórico
Para se compreender os motivos que levaram à aguda controvérsia entre o Calvinismo e o Arminianismo, é preciso compreender o contexto histórico e político no qual se inseriam os Países Baixos à época.
De acordo com historiadores, tais como Carl Bangs, autor de “Arminius: A Study in the Dutch Reformation(1985)”, as igrejas reformadas da região eram protestantes, em sentido geral, e não rigidamente calvinistas. Embora aceitassem o catecismo de Heidelberg como declaração primária de fé, não exigiam que seus ministros ou teólogos aderissem aos princípios calvinistas, que vinham sendo desenvolvidos em Genebra, por Beza. Havia relativa tolerância entre os protestantes holandeses. De fato, havia tanto calvinistas quanto luteranos. Os seguidores do sinergismo de Melanchthon conviviam pacificamente com os que professavam o supralapsarianismo de Beza. O próprio Armínio, acostumado com tal “unidade na diversidade”, mostrou-se estarrecido, em algumas ocasiões, com as exageradas reações calvinistas ao seu ensino.
Essa convivência pacífica começou a ser destruída quando Franciscus Gomarus, colega de Armínio na Universidade de Leiden, passou a defender que os padrões doutrinários das igrejas e universidades holandesas fossem calvinistas. Então, lançou um ataque contra os moderados, incluindo Armínio.
De início, a campanha para impor o calvinismo não foi bem sucedida. Tanto a igreja quanto o Estado não consideravam que a teologia de Armínio fosse heterodoxa. Isso mudou quando a política passou a interferir no processo.
À época, os Países Baixos, liderados pelo príncipe Maurício de Nassau, calvinista, estavam em guerra contra a dominação da Espanha, católica. Alguns calvinistas passaram a convencer os governantes dos Países Baixos, e especialmente o príncipe Nassau, de que apenas a sua teologia proveria uma proteção segura contra a influência do catolicismo espanhol. De fato, caricaturas da época apresentavam Armínio como um jesuíta disfarçado. Nada disso foi jamais comprovado.
Depois da morte de Armínio, o governo começou a interferir cada vez mais na controvérsia teológica sobre predestinação. O príncipe Nassau destituiu os arminianos dos cargos políticos que ocupavam. Um arminiano foi executado e outros foram presos. O conflito teológico atingiu tamanha proporção que levou a Igreja a convocar o Sínodo Nacional da Igreja Reformada, em Dort, mais conhecido como o Sínodo de Dort, onde os arminianos, conhecidos como “remonstrantes”, tiveram a oportunidade de defender seus pontos de vista perante as autoridades, partidárias do Calvinismo. As discussões ocorreram em 154 reuniões iniciadas em 13 de novembro de 1618 e encerrada em 9 de maio de 1619, cujo assunto era a predestinação incondicional defendida pelo Calvinismo e a predestinação condicional defendida pelo Arminianismo. Os arminianos acabaram sendo condenados como hereges, destituídos de seus cargos eclesiásticos e seculares, tiveram suas propriedades expropriadas e foram exilados.
Logo que Maurício de Nassau morreu, os calvinistas perderam o seu poder na região e os arminianos puderam retornar ao país, onde fundaram igrejas e um seminário, o qual até hoje existe na Holanda (Remonstrants Seminarium).
Em síntese, as igrejas protestantes holandesas continham diversidade teológica, à época de Armínio. Tanto monergistas quanto sinergistas eram ali representados e conviviam pacificamente. O que levou a visão monergista à supremacia foi o poder do Estado, representado pelo príncipe Maurício de Nassau, que perseguiu os sinergistas.
Para Armínio e seus seguidores, sua teologia também era compatível com a reforma protestante. Em sua opinião, tanto o Calvinismo quanto o Arminianismo são duas correntes inseridas na reforma protestante, por serem, ambas, compatíveis com o lema dos reformados sola gratia, sola fide, sola scriptura.
Diferentes Correntes
A exemplo do que ocorre com outras correntes teológicas, tais como o Calvinismo, as crenças arminianas não são homogêneas. As idéias originalmente desenvolvidas por Armínio foram sistematizadas e desenvolvidas por inúmeros sucessores e profundamente alteradas por outros. Embora todos eles sejam considerados arminianos, divergem em alguns pontos cruciais. O teólogo reformado Allan Sell introduziu a distinção entre os “arminianos do coração” e os “arminianos da cabeça”.
Arminianos do Coração
São classificados como tal os teólogos que continuaram a trilhar os mesmos passos de Armínio, ou seja, sua teologia é perfeitamente compatível com as idéias por ele defendidas. Entre os inúmeros arminianos do coração, podem ser citados:
- Os Remonstrantes: cerca de 45 ministros e teólogos dos Países Baixos que deram continuidade ao desenvolvimento da teologia de Armínio. Seu principal representante é Simon Episcopius (1583-1643). Outro nome importante é o do conhecido cientista político Hugo Grotius (1583-1645). Os últimos remonstrantes afastaram-se substancialmente das linhas traçadas por Armínio e deram origem ao “Arminianismo da cabeça” (vide adiante).
- Século XVIII: o principal nome que desponta nessa época é o de John Wesley (1703-1791), que se declarava arminiano e defendeu o Arminianismo da acusação de heterodoxia e de heresia. Embora a teologia de Wesley seja compatível com o Arminianismo original, apresenta alguns acréscimos importantes, tais como o perfeccionismo wesleyano, com o qual nem todos os arminianos concordam, e algumas aparentes contradições, em razão da falta de rigor teológico utilizado em sua linguagem, muito mais de pregador do que de teólogo. Além de Wesley, merecem destaque John Fletcher (1729-1785) e Richard Watson (1781-1833).
- Século XIX: Thomas Summers (1812-1882), William Burton Pope (1822-1903), John Miley (1813-1895).
- Século XX: H. Orton Wiley (1877-1961), Thomas Oden (embora não aceite ser chamado de arminiano, sua obra é totalmente compatível com o Arminianismo clássico. Prefere o rótulo de “paleo-ortodoxo”, já que apela para o consenso dos primeiros pais da Igreja). Dale Moody, Stanley Grenz, Howard Marshall.
Arminianos da Cabeça
São considerados “arminianos da cabeça” os que abandonaram alguns dos princípios basilares da teologia arminiana clássica, tal como a crença no pecado original e na depravação total. Aproximaram-se do Semipelagianismo e até do Pelagianismo, negando a salvação pela graça, pilar da reforma protestante. Posteriormente, a teologia de alguns sofreu fortes influências do Iluminismo, recaindo em Universalismo, Arianismo e em vertentes da teologia moderna liberal.
A maior parte dos críticos do Arminianismo cometem o equívoco de tomar a parte pelo todo, considerando que todos os arminianos são “da cabeça”, sem discernir as profundas diferenças entre as várias correntes arminianas. Tal equívoco é semelhante ao de considerar que todos os calvinistas são hiper-calvinistas ou que todos sejam supralapsarianos. Talvez por isso, o Arminianismo seja tão freqüentemente associado ao semipelagianismo.
Entre os conhecidos arminianos da cabeça, destacam-se:
- Remonstrantes: alguns dos últimos remonstrantes passaram a defender posições mais próximas do Semipelagianismo do que do Arminianismo, afastando-se do Arminianismo clássico. O principal nome dessa época é Philipp Limborch (1633-1712). Muitos opositores do Arminianismo, na realidade, baseam suas críticas nas idéias de Limborch, como se fossem iguais às de Armínio.
- Século XVIII: John Taylor (1694-1761) e Charles Chauncy (1705-1787).
- Século XIX: o nome de maior destaque é o do avivalista Charles Finney (1792-1875), cuja teologia é fortemente pelagiana.
A Essência Teológica do Arminianismo do Coração
Os Cinco Pontos do Arminianismo
No Sínodo de Dort, os remonstrantes apresentaram a doutrina arminiana clássica na forma dos cinco pontos seguintes:
Eleição Condicional
Deus, por um eterno e imutável decreto em Cristo, antes da criação do mundo, determinou eleger, dentre a raça humana caída e pecadora, aqueles que pela graça crêem em Jesus Cristo e perseveram na fé e obediência. Contrariamente, Deus resolveu rejeitar os não convertidos e descrentes, reservando-lhes o sofrimento eterno (Jo 3.36).
Expiação Universal
Em consequência do decreto divino, Cristo, o salvador do mundo, morreu por todos os homens, de modo a garantir, pela morte na cruz, reconciliação e perdão para o pecado de todos os homens. Entretanto, essa salvação só é desfrutada pelos fiéis (Jo 3.16; 1Jo 2.2).
Fé Salvadora
O homem não pode obter a fé salvadora por si mesmo ou pela força do seu livre-arbítrio, mas necessita da graça de Deus por meio de Cristo para ter sua vontade e seu pensamento renovados (Jo 15.5).
Graça Resistível
A graça é a causa do começo, do progresso e da completude da salvação do homem. Ninguém poderia crer ou perseverar na fé sem esta graça cooperante. Consequentemente, todas as boas obras devem ser creditadas à graça de Deus em Cristo. Com relação à operação desta graça, contudo, não é irresistível (At 7.51).
Indefinição Quanto à Perseverança
Os verdadeiros crentes têm força suficiente, por meio da graça divina, para lutar contra Satanás, contra o pecado e contra sua própria carne, e para vencê-los. Mas, se eles, em razão da negligência, podem ou não apostatar da fé verdadeira e vir a perder a alegria de uma boa consciência, caindo da graça, é uma questão que precisa ser melhor examinada à luz das Sagradas Escrituras.
Interpretação dos Cinco Pontos
O terceiro ponto sepulta qualquer pretensão de associar o Arminianismo ao Pelagianismo ou ao Semipelagianismo. De fato, a doutrina de Armínio é perfeitamente compatível com a Depravação Total calvinista. Ou seja, em seu estado original o homem é herdeiro da natureza pecaminosa de Adão e totalmente incapaz, até mesmo, de desejar se aproximar de Deus. Nenhum homem nasce com o “livre-arbítrio”, ou seja, com a capacidade de não resistir a Deus.
O quarto ponto demonstra claramente que é a graça preveniente que restaura no homem a sua capacidade de não resistir à Deus. Portanto, para Armínio, a salvação é pela graça somente e por meio da fé somente. Nesse sentido, os arminianos do coração concordam com os calvinistas no sentido de que a capacitação, por meio da graça, precede a fé, e que até mesmo a fé salvadora seja um dom de Deus. A diferença está na compreensão da operação dessa graça. Para os calvinistas, a graça é concedida apenas aos eleitos, que a ela não podem resistir. Para os arminianos, a expiação por meio de Jesus Cristo é universal e comunica essa graça preveniente a todos os homens, mas ela pode ser resistida. Assim como o pecado entrou no mundo pelo primeiro Adão, a graça foi concedida ao mundo por meio de Cristo, o segundo Adão (conforme Rm 5.18, Jo 1.9 etc.). Nesse sentido, os arminianos entendem que 1Tm 4.10 aponta para duas salvações em Cristo: uma universal e uma especial para os que crêem. A primeira corresponde à graça preveniente, concedida a todos os homens, que lhes restaura o arbítrio, ou seja, a capacidade de não resistir a Deus. Ela é distribuída a todos os homens porque Deus é amor (1Jo 4.8, Jo 3.16) e deseja que todos os homens se salvem (1Tm 2.4, 2Pe 3.9 etc.), conforme defendido no segundo ponto do Arminianismo. A segunda é alcançada apenas pelos que não resistem à graça salvadora e crêem em Cristo. Estes são os predestinados, segundo a visão arminiana de predestinação.
Portanto, embora a expressão “livre-arbítrio” seja comumente associada ao Arminianismo, ela deve ser entendida como “arbítrio liberto” ou “vontade liberta” pela graça preveniente, convencedora, iluminadora e capacitante que torna possíveis o arrependimento e a fé. Sem a atuação da graça, nenhum homem teria livre-arbítrio.
Ao contrário dos calvinistas, os arminianos crêem que essa graça preveniente, concedida a todos os homens, não é uma força irresistível, que leva o homem necessariamente à salvação. Para Armínio, tal graça irresistível violaria o caráter pessoal da relação entre Deus e o homem. Assim, todos os homens continuam a ter a capacidade de resistir a Deus, que já possuíam antes da operação da graça (conforme At 7.51, Lc 7.30, Mt 23.37 etc.). Portanto, a responsabilidade do homem em sua salvação consiste em não resistir ao Espírito Santo. Este é o coração do sinergismo arminiano, o qual difere radicalmente dos sinergismos pelagiano e semipelagiano.
No que tange à perseverança dos santos, os remonstrantes não se posicionaram, já que deixaram a questão em aberto.
Nota:
Por Pr. Flávio Cardoso do site arminianismo.wordpress.com
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