O último inimigo
Eu odeio a morte. Nós tendemos a aliviá-la com palavras como “passou dessa para melhor”, partiu ou dormiu. Mas, embora isso possa ajudar a diminuir o turbilhão emocional da realidade, a verdade é que a morte é uma intrusa malevolente, que zomba tanto da vida como do Doador da vida. O sábio entendeu isso quando escreveu:
“Pelo que disse eu comigo: como acontece ao estulto, assim me sucede a mim; por que, pois, busquei eu mais a sabedoria? Então, disse a mim mesmo que também isso era vaidade. Pois, tanto do sábio como do estulto, a memória não durará para sempre; pois, passados alguns dias, tudo cai no esquecimento. Ah! Morre o sábio, e da mesma sorte, o estulto!” (Eclesiastes 2.15-17)
A morte se levanta para testemunhar que a vida é algo absurdo e que Deus, se Ele existe, ou é indiferente ou impotente. Talvez os dois. Não é à toa que Paulo a chama de inimiga. A última inimiga.
Uma das realidades inevitáveis de envelhecer é a experiência cada vez maior com a morte. Nos últimos anos, eu passei pela morte do meu pai e da minha mãe, um irmão e uma neta. Nas últimas três semanas, eu perdi uma sobrinha, um tio e, nessa manhã, um sobrinho. Pela incrível graça de Deus, todos esses membros da minha família morreram na fé, ou seja, morreram crendo em Jesus Cristo como Senhor. Entretanto, essa fé não nega a morte e nem a torna menos doída e traumática. Mas ela a transforma, tornando possível os demais crentes lamentarem de forma diferente no túmulo dos seus amados. Cristãos de fato ficam de luto, e não deveria hesitar ou ter vergonha disso. Jesus chorou no túmulo de seu amigo Lázaro. E eu desconfio daqueles que se acham mais espirituais por celebrarem em vez de chorarem em um funeral.
É natural, é correto e cristão chorar por causa da morte. Mas cristão o fazem de forma diferente. Não como aqueles “que não têm esperança”. “Pois”, como disse Paulo, “se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus, mediante Jesus, trará, em sua companhia, os que dormem” (1 Tessalonicenses 4.13-14). Porque Deus ressuscitou Jesus da morte, nós podemos ter certeza de que todos que estão “em Cristo” pela fé também serão ressurretos da morte com Ele. Ele é o primeiro fruto e nós, que somos Dele, somos o restante da colheita (1 Coríntios 15.20-23). Paulo explica belamente em 2 Coríntios 5.1-8:
“Sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos da parte de Deus um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus. E, por isso, neste tabernáculo, gememos, aspirando por sermos revestidos da nossa habitação celestial; se, todavia, formos encontrados vestidos e não nus. Pois, na verdade, os que estamos neste tabernáculo gememos angustiados, não por querermos ser despidos, mas revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida. Ora, foi o próprio Deus quem nos preparou para isto, outorgando-nos o penhor do Espírito. Temos, portanto, sempre bom ânimo, sabendo que, enquanto no corpo, estamos ausentes do Senhor; visto que andamos por fé e não pelo que vemos. Entretanto, estamos em plena confiança, preferindo deixar o corpo e habitar com o Senhor” (2 Coríntios 5.1-8).
A morte leva imediatamente o cristão para a presença do nosso Senhor, onde iremos esperar com ele pelo grande dia da Ressurreição, quando nosso espírito renovado irá se unir aos nossos corpos ressurretos, tornando-nos aptos para passarmos a eternidade com Deus, que nos redimiu. É essa abençoada esperança que permite a todos os crentes olhar a morte como inimiga, sim, mas como uma inimiga que não pode mais nos aterrorizar ou zombar de nós. Nesse dia, ao som da trombeta, “os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imortalidade” (1 Coríntios 15.52-53). E, quando isso acontecer, então os crentes rirão por último. Pelo poder do nosso Senhor ressurreto, nós iremos, com ele, ser vitoriosos sobre a morte e iremos zombá-la, dizendo:
“Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (1 Coríntios 15.55)
Essa certa esperança é o que sustenta meu pesar sobre a morte do meu tio, que viveu uma vida longa e produtiva, e sobre a morte de minha sobrinha e sobrinho que, pela nossa perspectiva, foram levados no auge da vida, deixando para trás cônjuges enlutados, uma criança sem mãe e crianças órfãs. Eles morreram na fé e, conforme as palavras do pastor puritano John Owen, deixaram a terra dos mortos e entraram na terra dos vivos.
A morte é com certeza nossa inimiga. A última inimiga. Mas a sua derrota ocorreu na morte e ressurreição de Jesus Cristo. Assim, a sua destruição é garantida. Todos os que têm essa esperança encontram conforto em meio à profunda dor.
Fonte: Reforma 21
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