A Páscoa: Uma Perspectiva Teológico-Bíblica da Transição da Antiga para a Nova Aliança

A Páscoa: Uma Perspectiva Teológico-Bíblica da Transição da Antiga para a Nova Aliança

A celebração da Páscoa, um dos pilares litúrgicos da religião mosaica, encontra sua fundamentação nos eventos narrados em Êxodo 12. Instituída como memorial da libertação do Egito, essa festividade possuía um caráter tipológico, apontando para uma realidade redentora superior. No entanto, a Nova Aliança inaugurada por Cristo reformula a compreensão dessa solenidade, levantando questionamentos teológicos sobre sua observância no contexto da igreja cristã.

A Páscoa no Judaísmo: Significado Pactual e Litúrgico

O termo hebraico Pessach, que significa “passagem”, designa a celebração instituída pelo próprio Deus para marcar a redenção de Israel do cativeiro egípcio. O ritual prescrito envolvia o sacrifício de um cordeiro sem mácula, cujo sangue era aspergido nos umbrais das casas dos hebreus para que o anjo destruidor não ferisse seus primogênitos. A festividade estava integrada ao calendário litúrgico da Antiga Aliança e, conforme Levítico 23:5-8, constituía um estatuto perpétuo para Israel.

A Páscoa possuía não apenas um valor histórico, mas uma função didática e teológica dentro do pacto mosaico. A repetição anual desse rito reforçava a identidade do povo como nação separada e dependente da graça divina. Além disso, a tipologia inerente à cerimônia já apontava para um sacrifício redentor de magnitude transcendental.

Cristo como o Cordeiro Pascal e a Transcendência da Tipologia

O Novo Testamento apresenta Cristo como o cumprimento definitivo da Páscoa judaica. João Batista declara: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (Jo 1:29), estabelecendo uma conexão direta entre o sacrifício expiatório de Jesus e o cordeiro pascal. O apóstolo Paulo reforça essa interpretação ao afirmar que “Cristo, nossa Páscoa, foi imolado por nós” (1Co 5:7).

O evento culminante da obra redentora de Cristo coincide precisamente com a celebração pascal judaica. Ao instituir a Ceia do Senhor na última Páscoa que celebrou com seus discípulos (Lc 22:19-20), Jesus substitui o antigo memorial pelo novo sacramento, consolidando a transição do sistema tipológico para a realidade consumada da redenção. O véu do templo se rasga (Mt 27:51), simbolizando a obsolescência da Antiga Aliança e a inauguração do novo pacto.

A epístola aos Hebreus esclarece que os rituais mosaicos eram “sombras dos bens futuros” (Hb 10:1), apontando para a obra expiatória de Cristo. Diante disso, a observância da Páscoa enquanto instituição mosaica perde sua obrigatoriedade para os cristãos, visto que sua finalidade tipológica se consumou na cruz.

A Inadequação da Observância da Páscoa na Igreja Cristã

A teologia paulina adverte contra a perpetuação de festividades da Antiga Aliança como requisito para a piedade cristã. Paulo exorta os crentes a não se sujeitarem “a estatutos: não toques, não proves, não manuseies” (Cl 2:16-17), pois essas práticas pertenciam a uma economia da revelação já superada. Aos gálatas, ele repreende a inclinação a “guardar dias, meses, tempos e anos” (Gl 4:9-11), demonstrando que a insistência na observância dessas ordenanças constituía um retrocesso espiritual.

No escopo da teologia reformada, compreende-se que a Páscoa, enquanto celebração judaica, era um elemento pedagógico da Antiga Aliança e encontra sua plenitude na Nova Aliança, na pessoa e obra de Cristo. O memorial apropriado para a igreja é a Ceia do Senhor, instituída pelo próprio Cristo como símbolo da nova realidade redentora.

Por que os Cristãos Não Devem Celebrar a Páscoa?

Com base na compreensão bíblica da Nova Aliança, a celebração da Páscoa não apenas se torna desnecessária, mas sua observância pode ser um equívoco teológico. Ao insistir na celebração pascal, corre-se o risco de obscurecer a suficiência do sacrifício de Cristo e retornar a práticas que pertenciam ao período da Antiga Aliança. O apóstolo Paulo adverte contra o apego a ritos judaicos no contexto da fé cristã: “Se estais mortos com Cristo para os rudimentos do mundo, por que vos sujeitais ainda a ordenanças?” (Cl 2:20).

O cristianismo não é uma mera continuação do judaísmo, mas a sua plenitude, conforme exposto na epístola aos Hebreus. A Páscoa era uma sombra da realidade que foi cumprida na cruz, e a igreja é chamada a olhar para Cristo e sua obra consumada, não para os símbolos que apontavam para Ele.

Conclusão: Implicações para a Adoração Cristã

Diante das evidências exegéticas e teológicas, a tradição reformada sustenta que a observância da Páscoa, no sentido veterotestamentário, não é mais necessária no contexto da Nova Aliança. Em vez disso, os crentes são chamados a participar da Ceia do Senhor, o verdadeiro memorial do sacrifício expiatório de Cristo. A continuidade da celebração pascal como prática cristã pode obscurecer a compreensão da suficiência da obra de Cristo e fomentar um sincretismo litúrgico incompatível com a teologia bíblica. Portanto, os cristãos não devem celebrar a Páscoa judaica, pois seu significado foi plenamente cumprido em Cristo e sua observância pode indicar um retorno a elementos cerimoniais já superados na Nova Aliança.

Referências bibliográficas:

  • CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.
  • KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.
  • PINK, Arthur W. Os Atributos de Deus. São Paulo: PES, 2002.
  • STOTT, John. A Cruz de Cristo. São Paulo: Vida, 2006.

Soli Deo gloria
Pr. Franco Júnior

Deixe seu comentário