A vida cristã não é um comercial de margarina Voltemos Ao Evangelho

A vida cristã não é um comercial de margarina Voltemos Ao Evangelho

Há algumas semanas tive a oportunidade de sair para conversar com uma amiga muito querida, e entre um gole e outro de chocolate quente falamos de diversos assuntos e compartilhamos um pouco das experiências que a vida nos trouxe. Todos nós enfrentamos na caminhada cristã a frustração de não sermos perfeitos.

O apóstolo Paulo vivenciou esse mesmo sentimento:

 

“Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; com efeito o querer o bem está em mim, mas o efetuá-lo não está. Pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse pratico. Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo nos meus membros outra lei guerreando contra a lei do meu entendimento, e me levando cativo à lei do pecado, que está nos meus membros. Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte?” (Romanos 7:18-24, grifo meu)

 

Felizmente, ele encontrou seu alívio: “Graças a Deus, por Jesus Cristo nosso Senhor!” (v.25). Graças a Deus, pois Cristo é perfeito e Ele foi perfeito em nosso lugar, isso alivia o peso dos nossos ombros e nos lembra que o Evangelho não é um processo seletivo onde Deus está observando nossa conduta para ver se somos bons candidatos para preencher as vagas celestiais. Na verdade, nós nunca seríamos aceitos, não fosse Cristo. Por isso, as palavras do apóstolo Paulo são um alívio para mim, porque me fazem olhar para Cristo sempre que me sinto fraca e imperfeita.

Talvez você esteja se perguntando: o que tudo isso tem a ver com o título deste texto? Pois bem, não existe nada mais clichê do que comercial de margarina: eles são todos iguais – uma família feliz sentada ao redor de uma linda mesa de café da manhã cheia de utensílios e frutas, crianças bem vestidas e comportadas pela manhã (!). É quase um conto-de-fadas! Todos estão felizes, bem humorados e com seus sorrisos perfeitos. Certo comercial de margarina dizia que “para o dia nascer FELIZ” era preciso consumir tal marca de margarina no café da manhã. É claro que isso não passa de marketing. É óbvio que a vida representada nos comerciais não é real, sabemos disso. Mas, às vezes, a vida cristã nos é apresentada com esse formato de comercial de margarina – seja por pastores, amigos ou conhecidos – como se tudo fosse perfeito.

Infelizmente, ou felizmente, a vida está bem longe dessa perfeição ilusória. Nem todos os dias acordamos felizes e sorrindo, nem sempre as crianças se portam com etiqueta e comem como deveriam. Nem sempre o dia “nasce feliz”, às vezes ele nasce nublado. Às vezes o coração amanhece tão pesado que não há forças nem para levantar da cama. Há dias que as nossas orações parecem nem passar do teto, mas, nem por isso Deus nos considera menos dignos do seu favor.

Mesmo quando exclamamos: “Miserável homem que sou!”, não deixamos de ser alvos da graça, de fato somos crentes imperfeitos todos os dias, até no melhor dos nossos dias! Há dias em que encostamos nossa cabeça no travesseiro com aquela sensação de dever cumprido: “Ufa, hoje fui uma boa mãe, não gritei com as crianças, fui uma esposa submissa e consegui manter a casa em ordem”. Mas, há dias que o nosso “pé esquerdo” decide dar o primeiro passo para fora da cama e não vemos a hora do dia terminar. Mesmo nesses dias devemos dar graças, graças a Deus por Cristo Jesus.  

“Somos crentes imperfeitos todos os dias, até no melhor dos nossos dias.”

O ponto que quero ressaltar é que essa é a luta de todos nós, estamos juntos nessa. Mas nem sempre as pessoas admitem suas fraquezas e dificuldades, e isso acaba afastando umas das outras. Se mais esposas “perfeitas” compartilhassem que nem todos os dias “nascem felizes” em suas casas, menos esposas “imperfeitas” se sentiriam um fracasso. Se as pessoas se reunissem não só para contar suas vitórias, mas também para contar derrotas e sentimentos reais, teríamos mais cristãos consolados por saber que as pedras e tropeços fazem parte da caminhada de todo peregrino. Se mais moças solteiras e piedosas compartilhassem que nos dias que elas se sentem fracas espiritualmente também são atormentadas pela incerteza, talvez outras moças não se sentiriam tão “menos espirituais”. Percebe?

O ideal seria que todos fossem vitoriosos todos os dias, que a mãe que ora para que seu filho seja liberto das drogas estivesse sempre bem e convicta disso, mas há dias em que ela simplesmente não tem forças para lutar e nesses dias em que ela não desce para a mesa farta de café da manhã e prefere ficar encolhida no quarto, ela ainda é vitoriosa em Cristo. Ainda que não se sinta assim. Talvez por isso os grupos de apoio sejam tão úteis na vida das pessoas, ali as pessoas se sentem acolhidas nas suas fraquezas, não se sentem julgadas. Elas não precisam esconder quem são porque todos ali também precisam de ajuda e é de fato isso que os une, eles têm consciência de que estão todos no mesmo barco e remam juntos para sobreviver.

A igreja é, em algum sentido, grupo de apoio para aqueles que estão lutando contra o pecado e os males deste mundo. Ninguém vai à igreja porque não precisa de ajuda, porque é santo, perfeito, e autossuficiente, mas o irônico é que quando chegamos lá simplesmente fingimos que não precisamos de ajuda. É como ir ao AA (Alcoólicos Anônimos) e não admitir que tem problemas com álcool. No fim das contas, todos nós estamos na mesma luta contra o pecado.

Que bom seria se aquele casal forte com toda a sua experiência de 40 anos de casamento compartilhasse com esse jovem casal como fizeram para sobreviver às crises do matrimônio. Ambos seriam fortalecidos! O capítulo dois de Tito traz um sábio conselho: as mulheres mais velhas devem “orientar as mulheres mais jovens a amarem seus maridos e seus filhos, a serem prudentes e puras, a estarem ocupadas em casa, e a serem bondosas e sujeitas a seus próprios maridos, a fim de que a palavra de Deus não seja difamada.” (v.4,5) Com o passar do tempo, parece que esse princípio tem se perdido na vida da igreja, o individualismo tem feito com que as pessoas se fechem em suas vidas privadas e aparentemente perfeitas.

Particularmente, me sinto muito feliz quando alguém que já passou pelo que eu estou passando separa algumas horas do seu dia para compartilhar isso comigo, isso me traz tanto alívio. Tenho aprendido a ter prazer em fazer o mesmo para com outras pessoas, o crescimento é mútuo. Essa mutualidade cristã é bíblica e necessária para todos nós.

Na vida real, fora do comercial de margarina, pais cristãos também se frustram com os filhos por não corresponderem 100% às suas expectativas pessoais e profissionais. A Bíblia é um livro incrível pois ela não mostra só o lado bonito da vida, ela mostra os bastidores sem as luzes e o figurino arrojado, mostra os atores cansados e com olheiras, mostra o flagrante do grande rei pego em adultério, mostra o discípulo fiel negando seu Mestre, mostra até mesmo o Filho de Deus cansado e com lágrimas; ela nos mostra o outro lado da vida que tentamos abafar.

Com isso não quero dizer que devemos viver as nossas vidas de qualquer jeito, quando alguém vai a um grupo de apoio vai para obter ajuda e melhorar, não é mesmo? A vida cristã também é assim, hoje eu estou aqui, mas amanhã não estarei mais e poderei ajudar aqueles que passarão pelas mesmas lutas que eu e assim prosseguimos.

Só quem enfrentou um rigoroso inverno é capaz de dizer aos que estão no fim do outono como devem se vestir para enfrentar o frio, é o ciclo natural da vida.

O evangelho proporciona muitos momentos felizes ao redor da mesa e momentos assim nos fazem sentir um gostinho do céu, mas ele não é feito só de momentos felizes, ele é real e feito para pessoas reais. Que possamos ser um canal que manifesta a graça de Deus para pessoas comuns, quebrando a teologia sutilmente triunfalista que ensina que se recebermos a Cristo todos os nossos dias nascerão felizes, o casamento será perfeito, os filhos serão transformados em anjos, e tudo será mais fácil. Que a nossa vida cristã seja genuína, com seus altos e baixos. Fujamos da superficialidade.

Concluo com uma famosa frase atribuída ao reformador Martinho Lutero, que há muito tem sido um lembrete na minha caminhada: “Sei que não sou o que deveria ser, mas sei que, pela graça, já não sou quem fui”. Ainda sou fraca, nem sempre reajo ou creio como deveria, mas graças a Deus por Cristo Jesus, pois já cheguei até aqui e sei que um dia estarei assentada numa linda mesa, rodeada por pessoas perfeitas, onde todos estarão sorrindo e todos os dias nascerão felizes!

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